“Ora bolas, Fábio: um apartamento de 1 milhão e meio de reais custa 1 milhão e meio de reais. Qualquer idiota sabe disso. Acabou o assunto e você vai enrolar no blog?” Calma, me dê uma chance, leitor. Quero mostrar a você que um apartamento de R$ 1.5 milhão não custa R$ 1.5 milhão, mas MUITO, MUITO mais do que isso. Obviamente, isso também vale para imóveis mais caros ou mais baratos do que isso, também, e para muitas outras coisas. Vale para qualquer bem que você comprar na sua vida. “Por que diabos você vai falar do apê de R$ 1.5 milhão, e não do computador de R$ 2.000,00″? Simples: porque o apê de R$ 1.5 milhão pode fazer com que você perca a oportunidade de se tornar milionário – milionário mesmo, daquele tipo que as pessoas invejam porque ganham na mega-sena.
“Fábio, você usou LSD, cara. Se eu tenho o apartamento de luxo, que me custa R$ 1.5 milhão, eu já sou milionário. Vai reescrever essa droga de post, homem”. Peter Schiff, um sujeito a que me referi antes, costuma dizer, sobre a bolha imobiliária dos EUA, que antes dela as pessoas ficavam milionárias porque trabalhavam, economizavam e investiam seu dinheirinho do dia-a-dia; mas que, durante a bolha, passaram a ficar ricas porque… err, bem… COMPRAVAM UM IMÓVEL! E ainda achavam que tudo estava certo por causa disso. Compre um imóvel e você se tornará um milionário foi o mantra da bolha nos EUA. Mas, segundo Schiff, isso não pode acontecer: você não fica milionário porque compra uma casa e ela se valoriza até que seu valor alcance R$ 1.000.000,00. Você fica milionário porque investe e o rendimento de seus investimentos torna o valor do seu patrimônio, com o fluxo de caixa que ele gera, superior a R$ 1.000.000,00.
“Fábio, você continua falando non-sense. Não é isso que acontece quando você compra uma casa por R$ 600.000,00 e o valor dela se torna R$ 1.000.000,00?” Não, não é o que acontece. A metáfora que Benjamin Graham utilizou para descrever o mercado de ações também se aplica ao mercado imobiliário: o mercado é um senhor que bate às portas do investidor todo santo dia e oferece um determinado preço pelo seu patrimônio. Ele oferece R$ 30,00 pelas ações da Petrobras num dia, R$ 50,00 no outro, e R$ 15,00 num terceiro dia. Ele sofre de transtorno bipolar: num dia está alegre e satisfeito e oferece R$ 50,00 por uma ação que vale R$ 20,00; no outro está triste, pessimista, e oferece R$ 5,00 pela mesma ação. Mas ele é um sujeito que acredita na diversificação e não investe apenas em ações: também oferece, todos os dias, uma proposta aos proprietários de imóveis. Em dias de euforia, oferece R$ 500.000,00 por uma quitinete que nem foi construída, mas em dias mais sombrios, pode oferecer R$ 100.000,00 pelo mesmo imóvel. No caso dos imóveis, a bipolaridade o afeta menos do que no mercado de ações porque as pessoas são menos dispostas a vender seus imóveis por um preço abaixo daquele que o adquiriram. Mas, eventualmente, elas venderão a alma para conseguir uma simples proposta (qualquer que seja, o que ela quer é recuperar uma parte do dinheiro!) pelo seu apartamento. Os americanos que o digam…
Por isso outro investidor, o discípulo de Graham e multibilionário Warren Buffett, costuma dizer que “preço é o que você paga, valor é o que você leva”. A quitinete podia valer R$ 200.000,00, mas o humor do sr. mercado a levou a custar em dias ruins R$ 100.000,00 e, em dias otimistas, R$ 500.000,00. Os analistas técnicos — nenhum dos quais figura na lista dos mais ricos do mundo — costumam dizer que não existe diferença entre valor e preço: mas eu prefiro concordar com Buffett e os analistas fundamentalistas. Essa diferença existe e entendê-la é essencial para não fazer besteira com seu dinheiro.
Voltemos ao apartamento que custa (=preço) R$ 1.5 milhão para aprender a diferença entre valor e preço. Quanto vale o apartamento? Essa pergunta pode ser respondida de várias maneiras diferentes, e provavelmente cada metodologia utilizada vai levar a respostas ligeiramente distintas.
Acredito particularmente em 2 métodos diferentes para avaliar o preço de imóveis: o método do fluxo de caixa e o método de projeção da rentabilidade do custo de oportunidade. Quem vive do mercado imobiliário, por outro lado, acredita (ou quer acreditar, porque não acredito que ninguém pode realmente acreditar nisso racionalmente) que a projeção dos preços dos imóveis pode ser efetuada a partir da evolução dos preços do passado.
“Pô, Fábio, fala português, que isso aí tá muito complicado!”
Calma, que a idéia básica não é nada complicada. O método do fluxo de caixa é simples e já o utilizei em outros artigos sobre o mercado imobiliário. A ideia é comparar o dinheiro que seria gerado pelo imóvel em virtude dos alugueis pagos e o preço do imóvel. Essa ideia também não é exclusiva do mercado imobiliário. Quando os investidores usam o índice P/L para ver se uma ação está cara ou barata, é exatamente o mesmo tipo de coisa que estão fazendo. A diferença é que o “L” da equação, que nas ações representa o lucro da empresa, no mercado imobiliário é o valor pago pelos alugueis.
Segundo Décio Bazin, baseado em estatísticas internacionais, um ativo só pode ser considerado rentável se der de retorno pelo menos 6% ao ano. E esses 6% são a renda gerada pelo ativo, e não a valorização do principal, porque não há fatores que garantam , com segurança, como ocorrerá a valorização do principal (e isso vale para as ações e para os imóveis!). Não há garantia de que nos próximos 20 anos o mercado imobiliário se comportará como os últimos 5 e, por isso, não é possível confiar nesse tipo de projeção. Infelizmente, é o que a maioria dos corretores faz, quando alardeiam os imóveis como excelentes investimentos. Dizem que os imóveis crescerão continuamente a uma taxa de 25% ao ano pelas próximas décadas, o que é um absurdo típico de quem não entende de juros compostos.
Então vamos aplicar o método do fluxo de caixa gerado pelo aluguel ao apartamento de R$ 1.5 milhão. No site wimoveis, que sempre tenho utilizado para essas comparações, verifico que um imóvel de 200 metros quadrados e quatro quartos localizado na asa sul (Brasília) está anunciado na faixa de R$ 1.500.000,00-R$ 1.800.000,00. O aluguel de apartamento com essas características está anunciado, no mesmo site, por um valor entre R$ 4.900 e R$ 6.000.
Vamos usar o método, então: se um ativo rentável deve gerar um fluxo de caixa para o seu proprietário de pelo menos 6% ao ano, isso significa dizer que um apartamento de R$ 1.500.000,00 geraria de alugueis em um ano de aproximadamente R$ 90.000,00 – o que equivaleria a R$ 7.500,00 mensais. Mas o apartamento pode ser alugado por um valor entre R$ 4.900,00 e R$ 6.000,00. A esses valores, aplicando o mesmo método, os apartamentos com essas características teriam um valor compreendido entre R$ 980.196,00 e R$ 1.200.000,00.
Em outras palavras, quem comprar um apartamento de R$ 1.500.000,00 em Brasília já sai, de cara, com um prejuízo de R$ 300.000,00, na melhor das hipóteses, e de R$ 520.000,00 na pior delas.
Mas as coisas podem ser piores se utilizarmos o método que eu considero mais adequado: o do custo de oportunidade. O custo de oportunidade é um conceito econômico muito simples: ao escolher fazer qualquer coisa nessa vida, você tem que abrir mão de todas as outras coisas que poderia fazer naquele momento. Se você quer jogar futebol, vai ter que abrir mão de ir ao cinema naquele horário; se você quer passar em concurso, vai ter que abrir mão de fazer outras coisas nos momentos de estudo. E isso também vale pro dinheiro: se você decide gastar seu dinheiro com uma coisa, abre mão de fazer outras coisas com aquele dinheiro. Se você decide investir, abre mão de gastá-lo com pequenos (e às vezes grandes) prazeres da vida.
E a lógica é a mesma para o problema que estamos discutindo: se você decide botar R$ 1.500.000,00 em um apê, você está abrindo mão de todas as outras coisas que poderia fazer com aquele dinheiro – inclusive, tchanan!!! — FICAR MILIONÁRIO DE VERDADE!
“Cacete, Fábio, eu já sou milionário: já tenho R$ 1.500.000,00 e quero comprar o apartamento de 4 quartos super bem localizado com piscina, banheira de hidromassagem, 28 elevadores e 524 garagens.”
Não, pombas, eu não tô falando de milionário classe média, tô falando daqueles caras que todo mundo acha que só existem nas novelas da globo. O sujeito que tem uma sala onde cabe todo o seu apartamento de R$ 1.500.000,00 e viaja 5 vezes por ano (ou mais) pro exterior, e nem trabalha.
Desculpem se o parágrafo anterior pareceu pedante ou arrogante. Estou longe de ser um desses milionários a que me referi, mas sou consciente de que quem tem R$ 1.500.000,00 (a propósito, eu também estou muito longe de chegar aí!) está longe de ter um patrimônio capaz de sustentar um estilo de vida melhor do que uma classe média alta aqui em Brasília.
“Tá bom, Fábio, pare de pedir desculpas e me diga logo: como o custo de oportunidade de ter o apê dos meus sonhos é ser um milionário?”
Fácil: o custo de oportunidade de ter um apê de R$ 1.5 milhão é investir o dinheiro em outro investimento. Vá no site do tesouro direto, se você não quer correr riscos, e coloque o dinheiro em NTN-B Principal com vencimento em 2024. Usando a calculadora disponível no site, e supondo uma inflação de 4% ao ano (que é menor do que a menor inflação já vista no Brasil desde o plano real) você teria R$ 5.624.000,00, já descontado todo o imposto. Dificilmente seu apartamento de R$ 1.5 milhão chegaria a esse valor em 2024 – e, melhor ainda, se você economizasse uma parte do seu salário e tivesse paciência, esse valor poderia facilmente se transformar em um montante ainda maior. Se você esperasse até 2035, investindo em NTN-B Principal, teria R$ 14.253.967,00 naquele ano. Com uma inflação de 4% ao ano, isso equivaleria a R$ 5.045.000,00 em valores de hoje. Esse valor é suficiente para gerar uma renda de aproximadamente R$ 30.000,00 em investimentos seguros, você poderia alugar um apartamento equivalente ao de R$ 1.500.000,00 e ainda viveria muito bem: poderia largar do seu emprego e estaria muito melhor do que na mão do sistema previdenciário. Ainda não seria suficiente para ter a vida de personagem de novela da Globo, mas você já teria dado um grande passo nesse sentido. E se você tivesse paciência e investisse no tesouro direto quando os juros subissem (como está acontecendo agora), poderia colher resultados ainda melhores.
Usando o tesouro direto como comparação, seu apartamento de R$ 1.500.000,00 te custou R$ 5.000.000,00. E estou falando de um custo de oportunidade razoavelmente baixo: se você investir uma parte do dinheiro em ações, pode estar abrindo mão de muito, muito, muito mais dinheiro. Se as ações renderem 15% ao ano, por exemplo (uma rentabilidade razoavelmente plausível nesse mercado no longo prazo e com reinvestimento de dividendos), R$ 1.500.000,00 valeriam em 2035 R$ 49.000.000,00. Descontando a inflação de 4% ao ano, esse valor equivaleria ao poder de compra de R$ 17.659.000,00 hoje. Literalmente, você poderia viver como um personagem de novela: esse valor poderia render, fácil, mais de R$ 80.000,00 por mês.
Você realmente acha que é justo pagar, hoje, R$ 1.500.000,00 por um apê? Se você tiver os R$ 17.659.000,00, vai lá: o preço do apartamento é menor do que o rendimento de 6 meses de seu patrimônio. Mas… err… você tem os R$ 17.659.000? Pense bem: é o preço que você pagaria pra ter esse apartamento hoje.
5 de maio, 2010 às 10:29Fonte: http://blogs.advfn.com/artigos/imoveis/quanto-custa-um-apartamento-de-r-1-5-milhao
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