Aprendendo a perder dinheiro


A recente crise financeira me fez lembrar da primeira vez que me arrisquei no mercado de ações, no início de 2006. Estava no meu primeiro emprego formal (professor universitário), feliz da vida porque estava começando a ganhar um pouco melhor do que a bolsa de mestrado e a economizar um dinheirinho. Como já tinha algumas economias, resolvi investir uma pequena parte delas em um fundo de ações, pra “sentir o gosto da coisa”.

Nas primeiras semanas, estava feliz da vida: todo dia que eu olhava o extrato do fundo, havia mais dinheiro do que no dia anterior. Até que, em fevereiro, pouco mais de um mês depois que eu comecei a investir, estourou uma pequena crise na China, e as bolsas “derretaram”, em menos de três semanas, mais de 20%. Eu perdi, naqueles dias, tudo o que havia ganho e ainda saí no prejuízo. Inexperiente com a coisa, resolvi tirar o dinheiro para evitar “perder mais”. No final de março, as bolsas começaram a se recuperar e logo não havia vestígio daqueles dias que o mercado considerava “temerosos”. O que eu aprendi com isso?
Aprendi aquela que talvez tenha sido a maior lição financeira da minha vida, no que diz respeito às ações. Para ganhar dinheiro nesse mercado, é preciso aprender a perdê-lo. É preciso ver R$ 10.000,00 investidos se transformarem em R$ 8.000,00 e não fazer nada — e, se possível, comprar ainda um pouquinho. Se você tem R$ 100.000,00 investidos, tem que ter sangue frio para ver R$ 30.000,00, R$ 40.000,00 irem embora rapidamente, em questão de semanas.
Em 2006, não tive esse sangue frio. Como não tinha investido muito, perdi pouco dinheiro, mas aquilo me deixou quase desesperado. Mas aquilo me mostrou que eu precisaria ESTUDAR (ler, ler, ler, ler, ler – principalmente, livros e balanços das empresas em que eu iria investir) muito antes de voltar ao mercado acionário. Li um bocado e conheci investidores que me ajudaram muito nesse processo de aprendizado, até voltar ao mundo dos investimentos em ações — em abril de 2008.
“Pô, Fábio, você é muito azarado! Voltou a investir logo antes da crise imobiliária americana?” Nem tanto. Comecei a investir com um objetivo fixo: comprar, todo mês, faça chuva ou faça sol, um pouquinho de ações. Nesse processo, acabei me saindo bem na crise: fiz um preço médio baixíssimo e, quando as ações começaram a se recuperar no final daquele ano e em 2009, tive um bom lucro. Não vendi uma única ação na pior crise das últimas décadas e ainda tive lucro muito superior à renda fixa, no fim das contas! Bem melhor do que aquele investidor que se assustou com uma crise boba, dessas que só servem para o mercado “realizar lucros” (seja lá o que isso signifique!).
O que mudou entre 2006 e 2008? Uma única coisa: aprendi a perder dinheiro — e só por isso comecei a ganhá-lo. Enfrentei a crise de 2008 com muita serenidade, e hoje me sinto como um monge japonês: na crise atual, que pode levar a alguns anos de recessão em todo mundo, estou absolutamente tranquilo. Já “perdi” mais do que havia perdido em 2006 e só olhei o home broker duas vezes, por curiosidade. Continuo sem vender nenhuma ação e compro um pouquinho todo mês. O objetivo é me tornar sócio de algumas das melhores empresas do Brasil, com a certeza de que elas me darão retorno no futuro, porque confio na sua administração. Confio no futuro da economia, por mais bobagem que os governantes, bancos centrais e economistas possam fazer.
Essa tranquilidade me fez projetar meu futuro financeiro a longo prazo: não importa o que aconteça no curto prazo (1, 2, 5, 10 anos). Quero retorno daqui a 30 anos! Se os preços de ações de boas empresas for ao chão, tanto melhor, pois as comprarei, aos poucos, investimentos excelentes — e isso fará toda a diferença no futuro.
Acompanhe meu raciocínio: vamos projetar o que aconteceria com alguém que investe em uma empresa cujos preços estão sempre caindo, apesar de seus lucros estarem sempre em crescimento pequeno, por conta da conjuntura econômica pessimista. Digamos que R$ 10.000,00 são investidos por ano, mas por 10 anos, os preços caem. Digamos que as cotações caiam a uma taxa de 10% ao ano, e que os lucros cresçam a uma taxa modesta, de 8% ao ano. Se considerarmos que no primeiro ano a cotação média da ação é de R$ 10,00 e o lucro por ação é de R$ 1,00, teríamos a seguinte projeção:
Como você pode observar, a cada ano, o investidor adquire mais ações do que no ano anterior porque os preços são decrescentes. Além disso, como os lucros são crescentes e os preços decrescentes, o índice P/L cai a cada ano. Ou seja, a cada ano a ação está mais barata do que no ano anterior, seja porque o preço cai, seja porque a empresa, no décimo ano, é uma empresa melhor do que no primeiro porque lucra mais. Nessa situação, o investidor teria adquirido, investindo R$ 10.000,00 por ano, um total de 16.811 ações, com um preço médio de R$ 5,94 por ação.
Agora, vamos imaginar que, a partir do décimo ano, o apocalipse financeiro chegue ao fim e o mundo comece a crescer. Se a empresa mantiver o crescimento de seu lucro (o que é uma pressuposição modesta, já que provavelmente ela aumentaria esse crescimento durante a fase de recuperação), em pouco tempo o investidor reverteria o prejuízo.
Suponha que a cotação da ação, num mundo em recuperação, passe a ter um crescimento por ano de 2o% (razoável para um panorama de crescimento posterior a eventos cataclísmicos) e que o lucro por ação continue a crescer à taxa de 8% ao ano. Vamos ver como o investimento se comportaria:
A dinâmica dos próximos 10 anos foi invertida. Como os preços agora são crescentes, a cada ano o investidor, com os mesmos R$ 10.000,00 investidos anualmente, compra menos ações.
Mas qual foi a rentabilidade obtida ao final dos vinte anos? Em vinte anos, aplicados R$ 10.000,00 por ano, ele teria investido R$ 200.000,00 no período. No total, foram adquiridas 27.633 ações que, no ano 20, valeriam R$ 662.861,00. A rentabilidade total foi de 231,43% – uma média de 6,71%.
“Pô, Fábio! Que porcaria! Investir tanto tempo, com tanto risco, para obter uma rentabilidade próxima à da poupança!”
Concordo, a rentabilidade é baixa. Mas… e esse é um grande “mas”, o exemplo desconsiderou premissas importantes.
A primeira delas é que a empresa não pagou dividendos. Vamos imaginar um cenário diferente, em que ela pagasse 25% de seus lucros em dividendos. Esse é o mínimo que a legislação brasileira exige das empresas. Isso significaria que o investidor teria recebido, ao final de 20 anos, R$ 90.740,79 em dividendos. Somado ao lucro inicial, de R$ 662.861,00, o investidor teria R$ 753.601,00. A rentabilidade total seria de 276%, ou 45% a mais que os 231% obtidos na primeira hipótese. Uma rentabilidade anual de 6,85%.
Mas a mágica começa a acontecer quando consideramos nos cálculos que o investidor reaplique os dividendos recebidos, comprando mais ações. Nessa hipótese, ao final dos 20 anos, ele teria adquirido 37.427,46 ações, muito mais que as 27.633,25 adquiridas no primeiro exemplo. E seu patrimônio seria de R$ 897.873,00 no vigésimo ano, 348% de rentabilidade no total, ou 7,79% ao ano.
Você percebe como, em razão de pequenos detalhes, o rendimento aumenta um pouquinho, mas no final há uma diferença enorme? No primeiro exemplo, a rentabilidade anual foi de 6,71% e, no segundo caso, 7,79%; mas essa diferença de pouco mais de 1% ao ano foi responsável por um acréscimo de quase R$ 150.000,00 no final de 20 anos.
Ah, eu quase ia me esquecendo de um detalhe importante! Em um mercado otimista, que sobrevaloriza a cotação das ações, não é incomum encontrarmos índices P/L superiores a 20. Nos cálculos que utilizamos, o P/L do ano 20 é de 5,56; se o mercado avaliasse a ação, naquele ano, com um índice P/L de 20, a cotação daquele ano seria de R$ 86,40. Nesse patamar, o patrimônio do investidor que reaplicasse os dividendos diligentemente seria de… R$ 3.233.692,80. Uma rentabilidade total de 1516,85% e anual de 14,93%.
Essa rentabilidade não é fantástica, mas quero que você lembre que minhas premissas são muito conservadoras. A empresa manteve um ritmo de crescimento igual durante a crise e após ela, considerei um evento quase cataclísimico que derrubaria a economia por 10 anos e uma recuperação em ritmos modestos para uma recessão desse tamanho. E mesmo assim o investidor poderia ter um patrimônio em algum lugar entre R$ 890.000 e R$ 3.000.000,00, tendo investido R$ 200.000,00.
Aprendi a ficar tranquilo com as oscilações do mercado acionário em razão dessas contas, que aprendi a fazer com os livros que li (e leio). Mesmo que enfrentemos crises que durem 5 ou 10 anos, provavelmente quem comprar ações de boas empresas se sairá bem. Afinal, mesmo durante uma recessão as pessoas precisam comer, beber, usar serviços básicos — produtos que são fornecidos por empresas que têm capital aberto. A economia americana foi ao chão, a Europa está indo pelo ralo agora e você não deixou de fazer nada do que fazia antes. Bebe sua cervejinha, continua indo ao teatro, ao cinema, vê televisão, lê, vai à academia — tudo como fazia antes.
Benjamin Graham, o mentor intelectual de Warren Buffett, fez grande parte de sua fortuna durante as décadas de 30 e 40, quando houve a maior recessão de todos os tempos e a segunda grande guerra. Se ele conseguiu isso em tempos tão sombrios, o que não poderemos fazer nós? Aprenda a perder dinheiro e você terá dado um grande passo para ganhá-lo!
4 de junho, 2010 às 16:20

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